O Chaveiro da discórdia
Uma das afirmações que mais tenho ouvido nestes últimos anos, especialmente em igrejas “avivadas”, é que Jesus Cristo, após sua morte na cruz, desceu ao inferno e tomou umas chaves que satanás teria nas mãos. Alguns pregadores afirmam com toda certeza que se tratavam das chaves da vida e da morte. Outros, que seriam as chaves da morte e do inferno. E assim segue, dependendo da fertilidade mental de cada um.
Neste prisma, é importante que se observem algumas questões, que devem ser consideradas e pesadas à luz do que realmente interessa ao servo de Deus: as Sagradas Escrituras.
Afinal, que chaves são essas? E por que supostamente estariam nas mãos do diabo?
Jesus fala nas chaves do reino dos céus (Mt. 16.19)).Certamente essas não estariam nas mãos do diabo. Mas em Ap. 1.18) ele diz: “Eu sou o que vivo; fui morto, mas estou vivo para todo o sempre! E tenho as chaves da morte e do inferno.”
Se as chaves das quais esses pregadores falam forem essas, a primeira pergunta é: Quando foi que satanás se tornou portador delas? Alguém pode argumentar que no mesmo livro Apocalipse .9.1 está escrito “O quinto anjo tocou sua trombeta, e vi uma estrela que do céu caiu na terra. E foi-lhe dada a chave do poço do abismo.”Uma passagem que não pode ser aplicada aqui, pois, neste caso, Cristo já estava no céu.
Vamos tentar entender o discurso em seu contexto. Os pregadores ‘avivados’ afirmam que ele – Jesus – foi ao inferno. Vejamos o que a Bíblia diz sobre essa ‘estada’ no território de satanás… Ef.4.9: “Ora, isto – ele subiu – que é, senão que também antes desceu às partes mais baixas da terra?”. Ou seja, antes de voltar ao céu (subir) ele desceu às profundezas. O texto parece bastante claro. Mas… para fazer o quê?
O texto em Judas 6 começa a nos dá entendimento do contexto: “E os anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, ele os tem reservado em prisões eternas, na escuridão, para o juízo do grande dia” (AEC).
A versão Revista e Atualizada fala em ‘algemas eternas’. A versão do Rei Tiago (King James) usa a palavra ‘chains’, que significa ‘correntes’, ‘algemas’, ‘cadeias’. Ou seja, há anjos aprisionados. Quem são eles? II Pe.2.4 diz “Pois de Deus não poupou os anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo”.
A ARA não utiliza o termo ‘cadeias da escuridão’, mas sim ‘abismo de trevas’. Entretanto, o contexto inicial não deixa dúvidas de que ambos (Pedro e Judas), falam da mesma situação. A versão KJ mantém o sentido ‘cadeias da escuridão’.
Se existe uma única pessoa no mundo que poderiam ter algum tipo de contato fora dessa esfera terrestre com Jesus Cristo, após sua morte, sem dúvidas são esses anjos. Dizer que os mortos foram evangelizados é ir de encontro à Escritura. Não há essa possibilidade.
O texto em I Pe.2.19-20 é revelador: “…no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca. Nela poucas (isto é, oito) almas se salvaram através da água.”
Ora, ‘espíritos em prisão’? (a ARA mantém o termo). A Bíblia acabou de explicar quem são eles. O simples fato de esta passagem citar o período contemporâneo ao dilúvio já abre espaço para uma outra discussão que certamente mudaria o foco dessa questão inicial, que deixaremos para outra oportunidade.
Satanás nunca teve chave alguma. E muito menos Jesus Cristo desceu às profundezas para tomar nada de sua mão. A obra do diabo foi desfeita na cruz. Mas, o principal é, afirmar o contrário seria subestimar o poder do Rei dos Reis: precisaria Cristo de três longos dias para tomar algo da antiga serpente?
Também não tem nenhum fundamento afirmar que Jesus foi pregar aos que morreram afogados no dilúvio, pelo simples fato de que a mensagem do evangelho de Cristo não faria nenhum sentido a eles. Nem a Lei havia sido entregue ainda. Não havia noção de salvação e vida eterna, e muito menos de igreja. Nem evangelho do reino, nem evangelho da graça. Os únicos que poderiam receber – e entender – essa palavra eram os anjos citados anteriormente. Aí Paulo diz em I Co.6.3 “Não sabeis que vós havemos de julgar os anjos?”.
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